Minha avó materna nasceu em 1912. Sua criação foi até onde eu sei, baseada nos costumes vigentes naquela época. Estudou, formou-se professora primária e casou-se. Se chegou a exercer a profissão não sei. Não lembro desta informação e não tenho mais a quem perguntar.
Mas casou-se. Teve três filhos e dedicou sua vida a criá-los e a cuidar de seu marido.
Meu avó, esse sim, teve uma vida profissional ativa. Economista, trabalhou em governos, empresas, escreveu livros e contos. Desenhava muito bem.
Diabético resistente à dietas e cuidados, morreu cedo, não o conheci.
Minha avó cuidou dele até o fim. Pelo que lembro de histórias contadas, o casamento deles era considerado "normal". Ela, "do lar", cuidava de sua casa com zelo, gerenciava seus domínios e prole. As filhas ajudavam na lida com pequenas tarefas e aprenderam a bordar, costurar, tricotar, além de claro, estudarem. O filho também tinha suas incumbências mas em menor escala. Homem não fazia tarefa doméstica. Essa era a regra.
Meu avô? Do que sei, era um homem duro, mas sabia "recompensar" esforços. Enquanto pode, soube mimar com presentes caros em ocasiões solenes, esposa e filhos, e cuidava de os sustentar com conforto.
O mundo parecia mais simples então. As "funções" estavam mais claras, os lugares mais marcados. Em comparação, claro, aos dias de hoje.
Feminismo e outros ismos batalharam para que todos tivessem a mesma cota de direitos e deveres. Ou pelo menos assim nos vendem a idéia.
Passados dez anos do falecimento de minha avó me vejo hoje perguntando, teria sido ela feliz em sua vida programada? Ou mais ainda, teria ela percebido ser feliz? Se pudesse ela aqui voltar e como em uma reprise, assistir sua vida à luz do mundo atual, consideraria ela ter sido feliz?
Fui criada em outro "conceito". Minha criação se baseou em construir as bases antes de se aventurar em construir família. Estudar, ter uma profissão e trabalho. Nada de ser só "do lar", só mãe, só esposa.
Não consegui seguir esse plano de carreira. Outros itens e fatores atropelaram essa programação e fui me adaptando ao que se apresentava. Medo de arriscar, em alguns casos. Planos naufragados em outros. Influência boa e ruim de fatores externos.
Me vi e ainda me vejo em meio à cobrança de ser dona de casa, esposa apaixonada e à disposição, mãe educadora e amorosa, profissional competente, pessoa independente, mulher bem resolvida, magra e feliz.
Não consigo e nem quero atender todos esses quesitos. Literalmente risquei o papel de mãe da minha existência, em parte para conseguir cumprir outros. Alterno-me entre cumprir outros itens dessa lista de acordo com a necessidade e com o que me é solicitado.
E, sinceramente? Tem dias que a vontade é de jogar todos esses scripts que tenho que decorar e representar no vaso, e puxar a descarga. Então, passado uns minutos de puro desânimo, quando os olhos parecem que transbordar irão, me dou conta que se fizer isso, o que transbordará é a privada, pois vai entupir com tanta página de texto.
Então, cancelo o ataque de "pelanca" (como dizia minha já falecida mãe), coloco todos os scripts na mesa novamente e torço para que após uma noite de sono, eu consiga acordar com ao menos algumas das falas decoradas na ponta da língua e assim continue a atuar.
E a pergunta dança na minha mente: teria sido minha avó, feliz em sua vida no final do século passado? Olharei eu, do lugar para onde irei depois desta vida, para minha existência e poderei dizer que fui feliz em minha época?
Divago, penso, e canso. Melhor dormir.
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